ENTRE CAURIS, JINNS E CASAMENTOS: AS MALDIVAS POR IBN BATTUTA [1304 - 1377]
As Maldivas,
localizadas a sudoeste da Índia, são um conjunto de ilhas imersas na
complexidade do Oceano Índico, seja no passado ou no presente. Os movimentos
históricos maldivos podem ser vislumbrados por certas fontes, tanto
arqueológicas, quanto escritas. A de Ibn Battuta é uma delas. Apesar de ser um
olhar estrangeiro de alguém que não falava a língua local, o seu relato é
importante para analisar muitas questões nas ilhas, principalmente no século
XIV.
Antes de dar
prosseguimento a essa análise, é importante conhecer Ibn Battuta e como essas
ilhas, cerca de 8700 quilômetros do seu local de partida, Tânger, fizeram parte
do seu itinerário. Sua viagem inicia-se em 1325 com o intuito de peregrinar a
Meca, portanto seu itinerário estendeu-se além da Península Arábica. Ele esteve
no Egito, na costa africana índica, na Anatólia, em Constantinopla, na Índia,
nas Maldivas, na China, em al-Andaluz, na África subsaariana, entre outros
locais. Cerca de 30 anos e mais de 100 mil quilômetros percorrido em grande parte
do mundo conferiram o título a ele de “príncipe dos viajantes”. Com o apoio do
sultão Abu Inan Faris, ele narrou a sua jornada para Ibn Juzayy, poeta andaluz,
que escreveu sua jornada em um texto comumente chamado de rihla. Sem dúvidas, ela é uma fonte importantíssima que faz o
historiador tanto da história indiana ou da África subsaariana, por exemplo,
consultarem a mesma obra.
Obviamente,
o viajante se deparou com inúmeros universos em torno dele, tanto imersos no
seio do Islã, quanto fora. Entretanto, é imprescindível reconhecer a natureza
discursiva construída por Ibn Battuta, já que uma narrativa de 30 anos seria
afunilada e muitas escolhas e silenciamentos foram feitos a partir do que ele
presenciou ou ouviu falar. Isso tudo depende de uma série de fatores. Um deles
é que ele escreve para um público maghrebino, e, a partir disso, faz uma série
de construções narrativas com o intuito de tornar sua história mais verossímil,
compreensível ou transmitir uma certa mensagem para o seu leitor e/ou ouvinte. O próprio outro
e como ele se organiza a partir da representação está imerso a uma lógica
de significação permeado pelas intencionalidades.
Ibn Battuta, após
atuar como qadi no Sultanato de
Delhi, na Índia, foi encaminhado para a China como enviado especial do Sultão.
Portanto, a viagem, que só poderia ser feita por meio de navios chineses, dá
errado e as Maldivas se transformam no seu destino Mesmo demonstrando sua
intenção de sair do local logo no começo, ele se envolve em questões de Estado
que marcam um fim da sua permanência de maneira conturbada. O ano de saída que
ele aponta de sua saída das Maldivas é 1344 e a sua estadia dura 18 meses.
O maghrebino
encontra ali uma povoação relativamente antiga e com uma linguagem diferente
das encontradas no continente. As próprias lendas de Shihabuddine apontam que a
chegada dos primeiros colonos é anterior à do imperador Asoka, ou seja, antes
do segundo século antes da era comum. [MOHAMED, 2005, p. 7]. Portanto, como o
próprio relato é lendário, não é possível traçar uma data exata do assentamento
humano nas ilhas. Mesmo assim, sabe-se que ela era habitada desde muito tempo
antes da chegada de Ibn Battuta e que o budismo era a religião de Estado antes
do Islã.
Além disso, as
ilhas, desde a antiguidade, estavam conectadas e participavam das rotas de
comércio que envolviam o Oriente Médio, o Extremo Oriente e a África oriental.
Uma prova disso é o achado arqueológico de uma moeda romana no local.
Entretanto, como aponta Forbes [1984, p. 57], não há uma ligação direta entre
as Maldivas e o Mar Medieterrâneo durante essa época. Mas, mesmo assim, é
importante destacar que o local estava conectado nessa teia na qual circulavam
tanto produtos, quanto culturas. Foi a partir delas que chegaram o Islã e Ibn
Battuta. No século XIV não foi diferente, além de mencionar um comércio ativo
com a Índia e o Sudeste Asiático, Ibn Battuta cita itens que são trazidos de
Mogadíscio, na África Índica, e a presença de comerciantes iemenitas. E, além
disso, como destaca Fanjúl e Arbós [2017, p. 91], em uma época, um terço da
arrecadação do local tinha destino aos viajantes.
Cauris e contatos comerciais
A partir dessas
relações pode-se destacar o trânsito de cauris, conchas com uso comercial na
região, a qual é possível atestar sua presença em diversas partes do globo. Na
própria África Subsaariana, por exemplo, esses objetos foram utilizados como
moeda, assim como destaca al-Umari [2000, p. 269]. O papel das Maldivas na
circulação desse objeto, principalmente ao falar do Sudão, é crucial, uma vez
que as ilhas foram, por muitos séculos, a principal, senão a única, fornecedora
dos cauris. [CANDOTTI, 1991, p. 322]. Por mais que possa parecer improvável, os
contatos da época e a posição maldívia nas redes comerciais mostra que foi
completamente possível essa relação entre essas duas áreas distantes, mesmo que
de forma indireta. Candotti [1991, p. 324-327] aponta que, ao sair das
Maldivas, elas chegariam em diversos mercados, para finalmente chegar ao Norte
da África e ao Sudão a partir das rotas transaarianas.
A presença dessas
conchas na África subsaariana foi atestada primeiramente por al-Bakri [2000, p.
83], um autor do século XI ao descrever Kougha, cidade próxima a Gana. Além
dele e de al-Umari, a própria Geniza do Cairo e Leão, o Africano apontam a
circulação dos cauris. Porém, dentre eles, nenhum faz uma relação às Maldivas.
Quem vai apontar isso é justamente Ibn Battuta:
“Nas Maldivas são
utilizadas como moeda as conchas [wada'] de um molusco coletado no mar e
colocado em buracos cavados na costa, até que a carne seja consumida e só
permaneça um osso branco. [...] Com elas compram arroz em Bengala, pois neste
país também a usam como moeda; os iemenitas também as aceitam, porque são
usadas para o lastro dos navios ao invés da areia. Essas conchas são também a
moeda utilizada no país dos negros: eu vi no Mali e em Gao trocarem 1150 dessas
peças por um dinar de ouro.” [IBN BATTUTA, 2017, p. 851, tradução minha]
Ibn Battuta vai
de encontro com as pesquisas históricas ao vislumbrar essas relações. O fato dele visitar os dois lugares
contribuiu para poder notar isso. Além disso, o relato do uso das conchas como
lastro em navios iemenitas dá a entender que uma grande quantidade delas
circulava pelo Oceano Índico. A partir dessas fontes, pode-se entender melhor a
importância das Maldivas nessas redes comerciais. Outro fato interessante para
perceber isso, mesmo que fuja um pouco do recorte estabelecido neste texto, é
quando Portugal, ao formar seu império ultramarino, importa esses cauris em
demasia diretamente das Maldivas para utilizar na região da Guiné.
Islã e a
conversão
Além de fornecer
informações acerca dos cauris, o viajante também apresenta uma história
lendária sobre a conversão maldiva ao Islã. Contada por homens de confiança, de
acordo com ele, o mito afirma sobre um homem maghrebino que se hospeda nas
ilhas e se depara com um monstro marinho que afrontava a população todos os
meses. Para acalmar essa situação, os locais tiravam a sorte entre eles e
deixavam uma mulher virgem para ele. Na manhã seguinte, ela era encontrada
deflorada e morta. Na sua estadia, esse homem, Abu-l-Barakat al-Barbari, se
oferece para ficar no lugar da moça escolhida do mês. Ao chegar no alojamento,
recita o Alcorão, e na manhã seguinte, para surpresa dos habitantes, ele
continuava lendo o texto sagrado. O
governante foi informado disso e após passar mais um mês, o mito atesta que há
uma conversão imediata não só de governante, mas de grande parte da população.
Os mitos de
conversão são importantes para analisar e perceber o vínculo do Islã com as
maneiras de interpretar o mundo local. Nesse sentido, como Stephanie Smith
[2019] destaca, é interessante perceber que eles também mostram um envolvimento
ativo com epistemologias islâmicas que são articuladas por meio da linguagem
cultural de cada comunidade. Por mais que a islamização seja um processo
gradual, é ilógico vê-la como um processo puramente superficial. O próprio mito
narrado por Ibn Battuta traz temas originais do Islã, como os jinns e a
recitação do Alcorão e configura uma forma imaterial para explicar essa nova
identidade. Ademais, não é expresso em uma narrativa que não tenha
verossimilhança para as Maldivas. Stephanie Smith aponta que provavelmente a
forma abstrata que esse jinn assume
parece indicar elementos locais. Portanto, nesse aspecto, não se pode deixar
perder de vista o paradoxo do desenvolvimento religioso apontado por Clifford
Geertz [2004, p. 27-28], no qual as religiões, ao lidar com um âmbito cada vez
mais amplo de experiência espiritual, se tornam mais precárias a medida que
avançam.
A partir disso,
vale a pena observar que Ibn Battuta elenca um maghrebino berbere como a figura
que converte a liderança das Maldivas. Por mais que não fosse completamente
improvável o fluxo de inúmeros estrangeiros nas ilhas imersos nos contatos
comerciais, narrar esse personagem como um maghrebino parece ser uma estratégia
narrativa que agradaria o seu público ocidental islâmico. O que fortalece isso
é que tal figura não é um consenso dentre outras fontes acerca da história
maldívia e geralmente, aparece associado ao Ibn Battuta. O próprio tarikh das Maldivas escrito no século XVIII, com intuito de
registrar a história do local, por exemplo, aponta Yusuf Shams al-Din
al-Tabrizi como responsável por converter o rei Siri Bavanaditta, o primeiro a
aceitar o Islã, de acordo com a tradição. [HASAN TAJ AL-DIN, 1984, p. 192]. Tal homem vem do Tabriz,
no atual Azerbaijão, e não do extremo ocidente do Islã. Apesar do próprio
Tarikh, como destaca Andrew Peacock [2020], também estar inserido em um
contexto e servir a determinados propósitos, é possível ver que não há uma
concordância geral acerca desse personagem.
Outro ponto que
ajuda a pensar acerca do Islã nas ilhas é o papel de Ibn Battuta lá, pois ele
atua como qadi [juiz islâmico].
Apesar de estar constantemente em movimento, em alguns momentos, Ibn Battuta
ficou temporadas maiores em alguns locais que ele visitou. Um deles é a Índia,
no Sultanato de Delhi, no qual ele também atuou como qadi mesmo manifestando que ele seguia uma madhhab diferente da local e não falava o persa, língua
administrativa do Estado. Nas Maldivas, mesmo passando um tempo menor que na
Índia, passa pelas mesmas questões que antigamente. A partir do casamento com
uma mulher da família real, ele é, nas palavras dele, forçado a aceitar o
cargo. Mesmo o viajante aprendendo o persa, a principal língua de administração
nas ilhas após a chegada do Islã permaneceu o dhivehi. [PEACOCK, 2020, P. 199].
A partir disso, Ibn Battuta reconhece tais questões complexas e de que estava
administrando um mundo diferente do que o que ele foi formado: “Uma vez nomeado
qadi, usei todos os meus esforços para fazer cumprir as prescrições da lei,
tendo em conta que os pleitos não se levam da mesma maneira que em nosso país”
[IBN BATTUTA, 2017, p. 768, tradução minha].
Ibn Battuta,
normalmente, estava acostumado a observar o outro,
mas com a posição de qadi, ele possui
poder jurídico sobre ele. Inicialmente, o maghrebino narra que o primeiro
costume que ele altera é a da permanência das esposas na casa do marido mesmo
após o divórico. Para fazer cumprir isso, por mais que ele reconhecesse as
diferenças, ele açoitou alguns homens, o que mostra rigorosidade do viajante.
Aparentemente, isso parece ter tido sucesso, entretanto, nem todas as suas
ações tiveram êxito. Uma delas, por exemplo, foi a tentativa de vestir as
mulheres. A efeito de comparação, a nudez feminina também o incomoda quando ele
esteve na África subsaariana, porém ele não tinha o poder de legislar contra
isso ali. Nas Maldivas, portanto, onde ele era qadi, não foi capaz de mudar a prática. Tais questões de se portar
na sociedade islâmica são sustentadas por um hadith que afirma que quem visse um erro e pudesse mudá-lo com a
mão, deveria fazer. Caso não pudesse, deveria fazê-lo com a língua, se isso
também não fosse possível, então com o coração. [AN-NAWAWI, 1999, p. 70] A
partir disso, como aponta David Waines [2010, p. 178], é possível ver que nem
sempre Ibn Battuta tem a mesma reação perante a atitudes que ele considera
errada. Em alguns locais, como as Maldivas, ele poderia agir com a “mão”, mas
isso não era garantia de êxito ao eliminar o que o príncipe dos viajantes
julgava como errado.
Casamento e sexo
O gênero rihla, proveniente do Maghreb e da
al-Andaluz, tipicamente, não inclui informações sobre a vida privada dos
autores. Narrativas de sexualidade ou sobre o casamento não são tão comuns.
Portanto, quanto a Ibn Battuta, mesmo que não vastos, esses dados estão mais
presentes. Rachel Singer [2019], a partir disso, aponta que tal fator está
relacionado a uma construção de uma imagem pessoal favorável mediante ao
contexto islâmico. O estilo de vida em movimento não o impediu de consumar
vários casamentos ao longo da sua jornada. Ao todo, são dez esposas
mencionadas, com a probabilidade de haver mais. Porém, ele raramente, ou nunca,
levava uma mais longe do local em que foi firmada a união. [WAINES, 2010, P.
159]. Quase metade desses matrimônios foram feitos nas Maldivas, ou seja, um
local privilegiado para estudar tal assunto.
Outro ponto
importante da construção das Maldivas na rihla
é a representação do local como extremamente favorável às relações sexuais.
A própria alimentação dali, com base na pesca e no coco, é tida como
proporcionadora de um vigor sexual pelo viajante. O relato de Ibn Battuta sobre
a facilidade de casar-se enfatiza a ideia direta das Maldivas como um espaço
auspicioso para o sexo:
“Casar-se
nessas ilhas é fácil, pela escassez do acidaque [dote] e pela agradável relação
carnal com as mulheres daqui. [...] Quando os navios atracam, os seus
tripulantes se casam com as maldívias e, na hora de partir, se divorciam, já
que elas nunca saem do seu país; ou seja, é uma espécie de casamento por
prazer.” [IBN BATTUTA, 2017, P. 853, tradução minha]
Ademais,
Ibn Battuta adiciona uma descrição das mulheres dessas ilhas como extremamente
agradáveis de conviver, arrumando a mesa, trazendo água para as abluções e
cobrindo os pés do marido. Isso perpetua a concepção de que o estrangeiro terá
seus prazeres atendidos ao se relacionar com elas. É uma narrativa que poderia
despertar as fantasias sexuais dos leitores e ouvintes homens maghrebinos, além
de apostar na efemeridade do casamento e na descartabilidade dessas mulheres.
Falar de
poder feminino, porém, é uma questão complexa nesses locais, uma vez que Ibn
Battuta se defronta com uma mulher que rejeita o casamento mesmo com a
cerimônia montada e não é repudiada nem pelo viajante e pelos presentes. Além
disso, a figura de liderança da ilha é uma mulher. O tarikh das Maldivas confirma
sobre essa figura feminina conhecida como Khadija ao organizar a lista dos
governantes das ilhas e aponta que ela teve três reinados. Portanto, há uma
discrepância na cronologia, já que a crônica coloca o governo dela como
iniciado em 1347; ou seja, seria impossível Ibn Battuta estar sob o poder dela,
já que ele sai dali em 1344. Porém, há uma proximidade e não se deve levar à
risca as datas do tarikh, já que
essas diferenças são comuns ao compará-lo com uma fonte independente. [PEACOCK,
2020, p. 198]
Outro
detalhe importante, que se relaciona com o tópico anteriormente abordado, é que
o Islã, além do comércio, poderia encontrar também uma boa rede de difusão a
partir dos casamentos nas Maldivas. Além de receberem investimentos
consideráveis, os estrangeiros, a partir do relato de Ibn Battuta, não pareciam
encontrar empecilhos de unir-se em matrimônio e, consequentemente, difundir os
dogmas da religião no âmbito familiar.
Mediante a
facilidade dos casamentos, Ibn Battuta consuma quatro, o máximo permitido pela
lei, e afirma, todos os dias durante a sua estadia, passar a noite com todas as
esposas quando fosse a vez, além das concubinas. Por mais que possa parecer um
indicativo das proezas sexuais pessoais, essa narrativa se coaduna com
ortodoxia islâmica, na qual enfatiza o tratamento igual dessas esposas.
[WAINES, 2010, p. 161]. Mesmo que as Maldivas sejam tidas como um local em que
um estrangeiro terá suas demandas sexuais atendidas, elas são realizadas a partir
dos dogmas e das prescrições islâmicas.
Ibn Battuta tinha
uma compreensão econômica do casamento, a utilizando também para se promover e
ele não sugere que considera o matrimônio sagrado ou eterno. [SINGER, 2019, p.
7] A própria efemeridade dessa instituição construída esteve presente
individualmente para o viajante. Após envolver-se em um conflito com os poderes
da ilha, ele renuncia ao cargo de juiz e parte das ilhas. De imediato ele teve
uma que o acompanhou, mas ela sentiu-se mal e desejou voltar para as ilhas, o
que foi seguido pelo divórcio. Outra esposa estava grávida e foi feito um
acordo: Ibn Battuta voltaria em um período de nove meses, mas ele também se
divorciaria antes de deixar as ilhas.
Esse relato
também pode ser relacionado com a imagem que Ibn Battuta pinta de si: a de um
cavalheiro piedoso e virtuoso. Para o seu público, o divórcio naquelas
condições retrata o viajante como um
homem altruísta e piedoso por livrar as mulheres de uma jornada perigosa o que
seria contra a vontade delas. [SINGER, 2019, p. 5] [KRUK, 1995, P. 376]
Conclusão
O relato
de Ibn Battuta é rico em vários pontos e permite uma análise das Maldivas
localizadas nas complexas redes que envolvem a região. Imerso a eles, há o Islã
que se faz presente no cotidiano, mesmo que apresente algumas práticas que
incomodam o viajante. Também as Maldivas se tornam um local privilegiado para o
estudo de questões de matrimônio e de gênero. Mediante isso, é importante
também notar as subjetividades do autor, que representa tanto a si quanto às
ilhas de uma maneira que satisfaça uma série de expectativas.
Referências
Pietro Enrico
Menegatti de Chiara é graduando em História pela Universidade Federal do
Espírito Santo [UFES]. Atualmente é bolsista pela CNPq e desenvolve pesquisa de
iniciação científica orientada pelo Prof. Dr. Sérgio Alberto Feldman sobre
alteridade no Dar al-islam e Dar al-harb na rihla de Ibn Battuta.
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Olá Pietro! Bom dia. Obrigado pelo texto tão interessante. Gostaria de saber se, e como, você encontrou algo de Ibn Battuta com relação ao "geográfico imaginado" (como, p.ex., Ibn Fadlan e seus relatos sobre o fim da Terra e os povos de Gog e Magog). Muito obrigado! Um abraço, Vicene
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa noite, Vicente, muito obrigado pela pergunta, muito boa por sinal. De fato esses espaços imaginados estavam presentes nesses relatos e em Ibn Battuta não é diferente. Pensar neles é interessantíssimo para se aprofundar no campo das possibilidades daquela época e na produção do maravilhoso.
ResponderExcluirPor mais que o relato de Ibn Battuta tenha a palavra aja’ib (traduzida como maravilhoso) em seu título, A riḥla como um gênero, de acordo com Thiago Damasceno, não é, essencialmente, um relato de maravilhas, já que tais atos não são o núcleo narrativo delas. Portanto, essas obras estão repletas de relatos. Na narrativa de Ibn Battuta, é mais comum a interação com fatos maravilhosos ao invés de locais. Isso não significa que eles não existiam na rihla. Perto das Maldivas, por exemplo, ele cita uma ilha cujas mulheres teriam apenas um seio e, mais adiante, aponta a existência das muralhas e dos povos de Gog e Magog que estariam 60 dias de marcha do local que ele esteve na China. Porém não vai adiante com a descrição por apontar não conhecer ninguém que foi até lá. O interessante é que as tais muralhas, como apontado pelos tradutores em espanhol da rihla (Fanjul e Arbós), seria na verdade a Grande Muralha da China.
Ao falar da China, esse extremo do mundo na época foi um local privilegiado para pensar nesses espaços maravilhosos em Ibn Battuta. Quando chegou mais próximo dali, foi possível ver uma construção de uma antinaturalidade desse universo tão distante do Maghreb, como aponta David Waines. Há dois momentos que marcam isso.
Um deles é um lugar denominado Tawalisi, alvo de confusões entre os estudiosos no sentido dele ser real ou fictício. Pela lógica do itinerário, seria em algum lugar do sudoeste asiático, mas nenhum especialista conseguiu identificar onde exatamente seria. Esse lugar teria mulheres que montavam a cavalo lideradas por uma princesa de língua turca, também governante de Tawalisi. Essa mulher afirmava que só se casaria com um homem que lutasse contra ela e a derrotasse. Há uma construção de uma inversão à ordem social que marca tal antinaturalidade.
O outro é o encontro, no caminho da China, com a grande ave rukh, confundida por montanha. Tudo isso também anunciava um universo completamente diferente do Maghreb, tanto na natureza, na fauna, nas expectativas, na ordem social. Era um mundo distante e que a linha entre o real e o imaginado alcançava certa tenuidade, afinal, foi o local mais distante que o “príncipe dos viajantes alcançou” David Waines interpreta esses dois contos como faróis de advertência para qualquer um que ousasse se aventurar além dessas terras.
Mais uma vez, obrigado pela pergunta.
Abraços!
Referência extra não incluída no texto:
DAMASCENO, Thiago P. M. A peregrinação a Meca em tempos de Cruzadas: o testemunho de Ibn Jubayr (século XII). 2018. 187 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018.