Nina Galvão

 A “LEI DA PROPRIEDADE DO AUSENTE” E O APAGAMENTO DOS PALESTINA EM ISRAEL


Logo após o estabelecimento de Israel em 1948 e a expulsão da maior parte dos habitantes nativos do território do novo Estado, a apropriação das terras e propriedades dos palestinos tornou-se um objetivo primordial da política israelense, que rapidamente elaborou e colocou em vigor um intricado sistema jurídico a fim de permitir não apenas a expropriação das terras e bens árabes como a sua incorporação pelo Estado. Para o historiador israelense Ilan Pappé (2011), a questão da transferência e do controle de terras manteve-se como ponto central da relação hostil do Estado com a sua população palestina, de 1948 até hoje. De acordo com o historiador: “uma ideologia centenária defende que a terra de Israel pertence exclusivamente ao povo judeu, e que judaizar as porções do território que ainda pertencem aos árabes, além de impedir que árabes comprem mais terras, é uma tarefa nacional sagrada e existencial para a sobrevivência do povo judeu” (Pappé, 2011, p. 3).

O principal instrumento legal utilizado pelo Estado neste processo de expropriação e incorporação foi a Lei da Propriedade do Ausente, aprovada em 1950. O texto da Lei – no qual “propriedade” inclui quaisquer bens móveis e imóveis – define como “ausente” uma pessoa que:

(1) Em qualquer momento durante o período entre 29 de novembro de 1947 e 19 de maio de 1948;

(2)  Deixou de existir, era o dono legal de qualquer propriedade situada no território de Israel ou sobre ela tinha controle ou dela fazia uso, seja por si mesmo ou através de outrem, e que em qualquer momento durante esse período

(i) era um cidadão ou nacional do Líbano, Egito, Síria, Arábia Saudita, Transjordânia, Iraque ou Iêmen ou

(ii) esteve em um desses países ou em qualquer parte da Palestina fora do território de Israel ou

(iii) era um cidadão palestino e deixou seu local de residência na Palestina

(a) para um local fora da Palestina antes de 1º de setembro de 1948;

(b) para um local na Palestina então controlado por forças que visavam impedir o estabelecimento do Estado de Israel ou que lutaram contra o Estado após o seu estabelecimento.

O último parágrafo é responsável por tornar “ausentes” em seu próprio território os palestinos que permaneceram dentro dos limites do novo Estado, os quais em sua maioria haviam deixado seus vilarejos durante a guerra e tornaram-se desde então deslocados internos. A Lei classifica seus bens e propriedades (assim como, é claro, as dos palestinos que tornaram-se refugiados em países vizinhos) como abandonados, essencialmente disponibilizando-os para confisco por parte do Estado. Prossegue determinando que seja criado um “Conselho de Custódia” para administração dos bens dos “ausentes”, o qual passou a deter todos os direitos sobre a administração dessas propriedades. Segundo Pappé:

 

“Ao colocar todas as posses coletivas e privadas dos palestinos expulsos sob sua custódia, o governo poderia, e de fato o fez, vender depois essas propriedades para grupos judaicos públicos ou indivíduos particulares, sob o pretexto espúrio de que nenhum ex-proprietário se manifestou. Mais ainda, no mesmo instante em que as terras confiscadas aos proprietários palestinos foram postas sob custodia governamental, elas se tornaram terras estatais que, pela lei, pertenciam à nação judaica, o que, por sua vez, significava que nenhuma parte das terras poderia ser vendida aos árabes”(2016, p. 250).

 

Os palestinos que permaneceram dentro das fronteiras do Estado e que tornaram-se formalmente cidadãos (mesmo que de segunda classe) de Israel, ainda que detivessem os títulos de suas propriedades e até mesmo as chaves de suas casas, foram doravante impedidos de ocupar ou usufruir das mesmas, bem como de nelas construir. É inclusive notável como grande parte dos palestinos, imaginando que fossem em breve retornar aos seus vilarejos, levou consigo objetos pessoais de uso cotidiano que adquiriram, desde então, uma grande carga simbólica, como as chaves das portas de suas casas. Nos raros casos em que os antigos moradores conseguiram autorização da Suprema Corte de Israel para retornar, as decisões foram sempre bloqueadas pelas autoridades administrativas militares, que se recusavam a acatar as determinações judiciais e frequentemente declaravam o vilarejo em questão uma “zona militar fechada”.

O aparato jurídico construído de modo a alijar os palestinos do direito sobre suas propriedades permitiu a nacionalização impressionante de cerca de 93% do território, cujas terras são hoje administradas pela Administração de Terras de Israel (ATI), a agência governamental que gerencia as terras do Estado e do Fundo Nacional Judeu (FNJ)- por sua vez, as únicas instituições que têm o direito de possuir terras. Neste ponto, cabe destacar que, além de deter a posse de uma fatia importante das terras em Israel, o FNJ goza de um status especial dentro do Estado, beneficiando-se de uma série de leis e acordos que lhe concedem poderes de uma autoridade pública. O Conselho da ATI, por exemplo, reserva dez de seus vinte e dois assentos para membros do FNJ, garantindo ao fundo um papel substancial na formulação das políticas de distribuição de terras do Estado.

Em Israel a propriedade privada da terra é então restrita às áreas que não foram incorporadas pelo Estado através da Lei da Propriedade do Ausente, as quais são controladas basicamente por Igrejas cristãs e por alguns poucos proprietários palestinos. Quando um cidadão israelense “compra” uma casa ou um terreno, está na realidade arrendando-o por um período que pode chegar a noventa e nove anos e ser subsequentemente renovado. Cabe notar que embora a propriedade pública da terra tenha sido um instrumento fundamental para alcançar a estabilidade territorial e demográfica do Estado, garantindo uma presença judaica majoritária na maior parte do território, reformas mais recentes tendem a minar o quase monopólio da Administração de Terras de Israel, abrindo cada vez mais o setor para a iniciativa privada- o que preocupa sobremaneira os muitos agentes políticos obcecados com a manutenção do caráter judeu do Estado e da posse judaica da terra, dando lugar a embates acalorados.

Não seria possível traçar aqui um quadro completo da complexa burocracia legal que rege a posse e administração de terras em Israel, mas pretendo chamar a atenção para o modo como esse sistema opera de modo a excluir os palestinos cidadãos do Estado- além, obviamente, dos refugiados- do acesso às suas próprias terras. O ponto principal a ser observado é que ainda que a imensa maioria do território tenha sido nacionalizada e essa terra não possa ser vendida, as instituições que compõem a ATI podem mover propriedades entre si. E isso é extremamente significativo pois, ao contrário do Governo, o FNJ administra seus bens não em benefício dos cidadãos do Estado, mas de todos os judeus do mundo. Vale dizer, todo judeu do mundo é, do ponto de vista do Estado, um cidadão potencial de Israel. Mais do que isso, é encarado como um cidadão que apenas não realizou ainda essa condição na prática.

Ao “comprar” terras do Governo, portanto, o Fundo Nacional Judeu não assume nenhum compromisso com a sua distribuição equânime entre os vários grupos que compõem o Estado de Israel, mas apenas com uma nacionalidade específica. A patente contradição de tais práticas em relação ao caráter supostamente democrático do Estado já levou inclusive a batalhas judiciais. O fato do FNJ se considerar um protetor de terras para o povo judeu levou a organização a incorporar em seus acordos com o Estado de Israel a condição de que terras do Fundo só seriam arrendadas pela ATI para judeus. A prática foi contestada judicialmente por palestinos israelenses e, no ano 2000, a Suprema Corte de Israel decidiu que o Estado não poderia alocar terras – mesmo através de organizações como o FNJ–,  discriminando seus cidadãos a partir de critérios nacionais ou religiosos.

A Lei da Propriedade do Ausente, ao eliminar juridicamente a maior parte da posse palestina da terra dentro de Israel, abriu caminho para o assentamento da gigantesca massa de imigrantes judeus que chegavam à Palestina a partir de 1948. De acordo com o jornalista britânico Ben White (2012, p.23), em 1950 os assentamentos cooperativos judaicos detinham 45% das terras palestinas abandonadas ou confiscadas, e 95% dos novos assentamentos judeus criados entre 1948 e 1953 foram estabelecidos em propriedades “dos ausentes”. Para além da incorporação das terras pelo Estado, que agora dispunha de amplos recursos para acomodar os nacionais judeus, a lei impediu efetivamente que os refugiados palestinos retornassem e reivindicassem direitos sobre suas propriedades, agora descritas como “abandonadas”.

Assim, o território recém esvaziado da maior parte de seus incômodos moradores não judeus foi engolfado por um esforço holístico de judaização do novo Estado, por meio do qual, conforme aponta Bruno Huberman (2014): “os israelenses buscavam esconder os eventos de 1948 – fisicamente, documentalmente e oralmente –, assim como os vestígios da existência da população árabe-palestina que ali vivia e substituí-la por uma realidade hebraica-sionista”. Destruídos ou rebatizados com nomes hebraicos, os vilarejos palestinos foram paulatinamente ocupados por novas levas de imigrantes judeus que adentravam o território sob os auspícios da Lei do Retorno israelense, enquanto muitos dos seus antigos habitantes tentavam se ajustar como cidadãos de segunda classe em um Estado que lhes era de todo hostil.

O mais curioso aspecto dessa legislação talvez seja justamente o fato de que ela engloba tanto os refugiados palestinos externos – qual seja, aqueles que deixaram o território que se tornou Israel e foram doravante proibidos de retornar –, quanto os internos. Quando o território do que se tornou Israel foi majoritariamente esvaziado da sua população palestina, aqueles que conseguiram permanecer dentro das suas fronteiras durante os anos de 1947/48 eram em torno de cento e cinquenta mil habitantes nativos da Palestina Histórica, constituindo à época cerca de 20% da população do Estado recém criado – proporção que se mantém basicamente a mesma até hoje. Essa minoria, a despeito de ter obtido cidadania israelense em 1952, permaneceu submetida oficialmente a um Governo Militar instituído por “questões de segurança” até 1966. Além de perder suas casas e propriedades, os Palestinos de 1948, como se autodenominam muitos deles hoje, viveram por quase vinte anos em seu próprio país sob lei marcial, o que implicava em numerosas restrições à sua liberdade de movimento (era necessário pedir autorização a uma Junta Militar para os menores deslocamentos e atividades, desde visitas a familiares em outra cidade até entrevistas de emprego) e ao acesso a serviços públicos básicos. A população judaica do Estado, por outro lado, gozava desde 1948 da plena cidadania e era governada por um regime civil regularmente instituído.

Com a Lei da Propriedade do Ausente, os Palestinos de 1948 passaram a ser formalmente reconhecidos pelo Estado pela esquizofrênica designação de “presentes ausentes”, uma vez que não estavam ausentes do território, mas tampouco poderiam ter sua presença verdadeiramente reconhecida. Diversos mecanismos legais foram então implementados para negar-lhes o direito de retornar aos seus vilarejos de origem e reaver suas propriedades, tais como a prerrogativa do Governo de expropriar áreas “não cultivadas” ou a prática já mencionada de declarar o terreno de antigos vilarejos como “área militar fechada”. Muitos desses mecanismos são, inclusive, reproduzidos hoje nos Territórios Ocupados da Cisjordânia para o estabelecimento de novos assentamentos judeus.

Assim, a Lei da Propriedade do Ausente faz parte, segundo Bruno Huberman, de “um sofisticado regime de terras segregacionista para o confisco das propriedades palestinas. Um sistema jurídico kafkaniano pelo qual os terrenos palestinos poderiam ser legalmente expropriados foi colocado em prática, garantindo que os refugiados não tivessem nenhum lugar para o qual pudessem retornar” (Huberman, 2014, p. 52). Seu principal objetivo era, naturalmente, a tomada de terras pelo Estado, as quais abrigariam os cada vez mais numerosos novos habitantes judeus do território, estabelecendo uma situação de facto que inviabilizaria o possível retorno dos refugiados palestinos.

O que mais interessa no exame da Lei, no entanto, é a constatação de que, segundo Huberman: “de um modo geral, a propriedade palestina da terra ou a sua mera presença no território era percebida como uma ameaça à soberania israelense e ao ‘caráter judeu’ do Estado” (Huberman, 2014, p. 52). É esse pressuposto ideológico, que subjaz às políticas estatais israelenses ao longo de toda sua história, que nos permite compreender a legislação em questão como uma peça importante da intricada teia de memórias em disputa que se configura no território da Palestina.

Vale dizer, é possível olhar para a Lei da Propriedade do Ausente como parte das batalhas mnemônicas travadas em torno da questão da Palestina, mesmo que seu texto e objetivo primeiros não tenham relação direta com políticas de memórias ou práticas comemorativas – oficiais ou subalternas. Ao negar aos Palestinos de 1948 o retorno, e mesmo o mero acesso às suas antigas casas, Israel por um lado os alija de lugares de memória fundamentais e restringe seus espaços de aparecimento no mundo e suas possibilidades de compartilhar (entre si, mas também no escopo mais amplo da sociedade israelense) suas narrativas sobre um passado comum. A destruição material dos vilarejos que a lei em última instância viabiliza, bem como a sua substituição por colônias e povoamentos judaicos, compõem um mapa do território que nega o dado de uma presença palestina anterior à criação de Israel, assim como o processo histórico através do qual essa presença foi transformada em ausência.

Por outro lado, é justamente por ter sido destruídos que os antigos vilarejos tornam-se lugares de memória, espaços fundamentais para a elaboração de um trauma coletivo cuja comemoração passa a integrar a resistência política ampliada dos palestinos diante da violência de Estado praticada por Israel. A importância de lugares, espaços físicos como suportes materiais para a recordação é amplamente ressaltada no campo dos estudos da memória.

A memória coletiva de um grupo é construída, afinal, através de uma série de operações mnemônicas que recortam e colam o tecido do passado, estabelecendo relações de assimilação e diferenciação, continuidade e descontinuidade. Nesse sentido, a existência concreta de um lugar que condense os laços projetados pela memória coletiva é uma ponte inestimável, que permite que passado e presente se toquem quase literalmente. Conforme aponta Aleida Assmann:

 

“Locais corporificam para o observador uma memória de que ele na verdade participa como indivíduo, mas que o transcende amplamente. Nesses locais, amplia-se a memória do indivíduo na direção da memória da família; e aqui se cruza a esfera de vida do indivíduo com a dos que a integram, porém não estão mais ali. Em ambos os locais, uma recordação individual dilui-se em uma recordação geral” (Assmann, 2011, p. 319).

 

O fato de que a maior parte dos lugares de memória palestino tenham sido irreversivelmente destruídos acentua, é claro, a sua capacidade mobilizadora. São poucas as ruínas de vilarejos palestinos que ainda se pode visitar, e mais raros ainda os prédios inteiros que se pode utilizar, o que os transforma em espaços que marcam a ausência palestina produzida no território ao mesmo tempo em que afirmam a presença da comunidade apesar da ruptura que lhe foi imposta. Neste caso, portanto, o afeto que vincula as pessoas ao local deriva da sua própria destruição. Assim, se por um lado fica evidente o impacto mnemônico da liquidação física dos vilarejos, reforça-se também a relevância do ativismo que se dedica a marcar fisicamente a memória palestina no território israelense.

Os Palestinos de 1948 desenvolvem nesse sentido uma miríade de iniciativas, muitas vezes apoiadas por organizações da sociedade civil lideradas tanto por árabes como, ocasionalmente, por judeus israelenses. Destaca-se por exemplo a realização periódica de acampamentos nas ruínas dos antigos vilarejos, nos quais a memória da comunidade é transmitida às novas gerações, além da articulação política entre os habitantes proveniente de diferentes regiões de modo a persistir nas batalhas judiciais conjuntas pela garantia do direito de retorno dos refugiados e deslocados internos, peremptoriamente negado pelo Estado. Há inclusive casos absolutamente sui generis como o dos jovens da terceira geração de deslocados internos de Iqrit, vilarejo no norte da Galileia, os quais efetivamente declararam o seu retorno e passaram a viver na única construção que sobreviveu ao bombardeio de 1952 que destruiu o vilarejo: a igreja, poupada por ser propriedade do Vaticano.

Casos como esse ilustram o modo como a luta pelo direito à memória participa da disputa política ampliada no espaço público, e como nessa disputa os locais são continuamente ressignificados. Se a destruição material de lugares de memória equivale à explosão de uma ponte mnemônica, o ativismo da memória desenvolvido em sentido contrário desafia a continuidade histórica projetada pela memória nacional oficial e denuncia o modo como essa continuidade é construída às custas do desenraizamento de outros grupos dentro do Estado, reafirmando a continuidade histórica da presença física dos palestinos do território, os quais estavam lá em 1948 e permanecem lá hoje.

Nessa perspectiva, podemos vislumbrar a dialética fundamental que atravessa o trabalho de memória palestino em Israel, a contradição que o sustenta. As ruínas são presenças que indicam acima de tudo a ausência palestina na terra, a perda representada pela Catástrofe de 1948. Expressam a continuidade da comunidade e ao mesmo tempo a sua descontinuidade no espaço. De modo que se, para Assman: “a consciência do passado que se detém num local honorífico tem um caráter muito diferente daquela consciência do passado que pertence ao arraigamento em um local vinculado à terra” (Assmann, 2011, p. 329), nos vilarejos palestinos essas duas consciências se encontram com uma singular potência política.

 

Referências

Nina Galvão é historiadora e mestra e Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades pela Universidade de São Paulo. Doutoranda do Programa de Pós Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS-UFRJ), desenvolve pesquisa sobre memória política, identidade nacional e o direito de retorno dos refugiados palestinos.

ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

HUBERMAN, Bruno. Judaização da Palestina Ocupada: Colonização, Desapropriação e Deslocamento em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Faixa de Gaza entre 1967 e 2013, 2014. Disponível em: https://pucsp.academia.edu/BrunoHuberman.

PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da palestina. São Paulo: Sundermann, 2016.

WHITE, Ben. Palestinians in Israel: Segregation, Discrimination and Democracy. London: Pluto Press, 2012

7 comentários:

  1. Gleidson Fernando Rocha dos Santos4 de outubro de 2021 às 15:36

    Isso é uma barbaridade! Esta lei busca legalizar o apagamento dos palestinos pelos Israelenses. Prof. Nina Galvão, você não vê estas práticas como a "A Lei de Propriedade do Ausente" e a construção de verdadeiros guetos palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordância, como similares aquelas impostas pelo regime do Apartheid contra os negros na Àfrica do Sul ou impostas pelos nazistas sobre o próprio povo judeu?

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    1. Boa noite, Gleidson! Obrigada por seu comentário!

      Sim, o paralelo que você traçou é absolutamente pertinente. Inclusive, muitos estudos analisam as similaridades do regime de apartheid sul-africano e o israelense, e não apenas em seus pressupostos ideológicos mas na sua arquitetura jurídica e administrativa. São também muito profícuos os laços de solidariedade entre os sul-africanos e os movimentos de resistência palestino!

      Abraço!

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  2. Cara, Nina Galvão
    Primeiramente, aprouve parabeniza-la pelo esmero trabalho e que gerou esse saboroso fruto do conhecimento construindo assim uma significativa contribuição para os estudos da temática deste Simpósio. Quero interroga-la sobre como surgiu a ideia de pesquisar sobre esse tema e quais foram os caminhos trilhados para que se chegasse nesse resultado?

    Wagner Pereira de Souza

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    1. Boa noite Wagner,

      Em primeiro lugar, muito obrigada! Fico muito feliz de poder partilhar um pouco das minhas investigações nesse espaço tão rico quanto necessário.

      Meus caminhos rumo à Palestina foram um tanto aleatórios e bastante literais: eu estive lá, em um Programa Educacional em organizado pela FFIPP Brasil (Rede Educacional para os Direitos Humanos e Palestina/Israel) em 2015 e desde então não consegui mais me desvencilhar. Posso dizer que a Palestina entrou em mim de uma maneira irreversível.

      O texto que trouxe para o Simpósio é parte da minha pesquisa de mestrado, na qual me debrucei sobre o modo como a memória adquire contornos políticos e se torna uma forma de resistência para os palestinos. Desenvolvi o trabalho aqui, mas ele é sem sombra de dúvida um desdobramento das coisas que vi e aprendi lá. Não tinha ideia, por exemplo, de mecanismos jurídicos como a Lei da Propriedade do Ausente, nem de outras legislações que tornam os palestinos de 1948 cidadãos de segunda classe em Israel.

      Um abraço,

      Nina.

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  3. Nina, queria também parabenizá-la pelo trabalho!! Ao meu ver essa divisão, se é que posso dizer assim, enfraquece a identidade desse povo então podemos dizer que a memória é o que ajuda a fortalecer essa identidade, além disso, temos outro fator/objeto que garante o reforço da identidade Palestina?

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    1. Olá Ana! Muito obrigada pelo elogio e pela questão! Ela foi justamente o tema da minha pesquisa de mestrado, concluída em 2019 e intitulada "Lábios para assoviar: memória, política e a questão palestina"

      Com toda certeza! A memória coletivamente construída é, diante dessa existência materialmente dilacerada e geograficamente dispersa dos palestinos, o que os une em um senso de identidade partilhada. E o centro dessa construção, que baliza e guia o trabalho de memória da comunidade, é certamente a Nakba (palavra em árabe que significa Catástrofe), que é como os palestinos designam a criação de Israel e suas nefastas consequências para seu povo.

      Afinal, a noção de um passado, de uma origem ou de processos dos quais são herdeiros em comum é fundamental para que os homens estabeleçam laços entre si e elaborem uma compreensão do seu lugar nesse espaço compartilhado. Vale dizer, a memória coletiva constitui o patrimônio simbólico do mundo, composto por objetos, práticas (discursivas e não discursivas) e linguagens que partilhamos. A memória faz parte de um substrato simbólico no qual as pessoas se inserem e a sua durabilidade provém do seu pertencimento à esfera humana, do fato de que uma parcela considerável da comunidade lhe confere valor, dignidade ou importância.

      Nesse sentido, a Nakba constitui o centro de uma memória construída como nacional que atravessa a identidade de todos os grupos palestinos. Ela institui simbolicamente o mundo palestino onde quer que seja – em Israel, em Beirute ou no Brasil. É por isso que autores como Lila Abu-Lughod e Ahmad Sa'di afirmam que “a catástrofe, em todas as suas dimensões, não apenas determinou as vidas, mas, desde então, tornou-se o principal local da memória coletiva e da identidade nacional palestinas”. As referências a este acontecimento são tão recorrentes, e os símbolos que a ele remetem, tão onipresentes que se tornaram marca inconfundível da luta palestina, um passado comum habitado por todos.

      Um abraço!
      Nina Galvão.

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  4. Javier Octavio Guerin7 de outubro de 2021 às 08:13

    Bom Dia professora. Em primeiro lugar, gostaria de lhe dar os parabéns pela sua apresentação, que achei excelente, muito interessante e motivadora para a reflexão. Uma parte me chamou a atenção onde você aponta “que embora a propriedade pública da terra tenha sido um instrumento fundamental para alcançar a estabilidade territorial e demográfica do Estado, garantindo uma presença judaica majoritária na maior parte do território, reformas mais recentes tendem a minar o quase monopólio da Administração de Terras de Israel, abrindo cada vez mais o setor para a iniciativa privada- o que preocupa sobremaneira os muitos agentes políticos obcecados com a manutenção do caráter judeu do Estado e da posse judaica da terra, dando lugar a embates acalorados”; O que me leva a perguntar: pode-se dizer que são apenas os agentes econômicos / empresários que promovem essas reformas ou há outros setores institucionais, políticos e sociais em Israel que os motivam? E se é possível pensar que o arcabouço jurídico que permitiu o saque de terras aos palestinos pode ser desarmado? Você mencionou a contestação em tribunal de algumas práticas promovidas pelo Fundo Nacional Judeu (FNJ) e algumas decisões da Suprema Corte de Israel. Muito obrigado pela atenção!
    Javier Octavio Guerin

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