Jeferson Dalfior Costalonga

 AO DEUS-DARÁ: A DIZIMAÇÃO DA CRUZADA POPULAR NA ÁSIA MENOR


A Cruzada Popular foi um movimento ocorrido no final do século XI e que faz parte do contexto da Primeira Cruzada. O presente texto tem como objetivo apresentar, de forma sucinta, o surgimento e os motivos que ocasionaram a rápida desintegração desta expedição influenciada por Pedro, o Eremita. Para tal proposta, recorremos a textos elaborados no século XII por Ana Comneno, testemunha ocular de alguns fatos aqui tratados, e Guilherme de Tiro, cronista que teve acesso a relatos dos participantes da expedição. Utilizamos, ainda, análises feitas por renomados historiadores contemporâneos.

 

O Concílio de Clermont

Em novembro de 1095 aconteceu o Concílio de Clermont, evento que ficou conhecido na história como o ponto de partida do que se convencionou chamar de Primeira Cruzada. Dentre outros assuntos, neste sínodo foram deliberadas questões referentes à marcha que os cristãos europeus fariam à Ásia com intuito de reaver Jerusalém para a cristandade. Segundo Tyerman [2010, p. 850], as supostas dificuldades impostas a peregrinos, além de um pedido de ajuda feito pelo imperador bizantino, teriam servido de estímulo para o Papa Urbano II propor a ofensiva. A grande adesão popular que ocorreu após o discurso papal foi influenciada por diversos fatores; não vamos aqui discuti-los porque este espaço seria insuficiente, além de fugir do escopo de nosso texto

Em Clermont, o Papa Urbano II determinou que a expedição iniciasse no mês de agosto do ano seguinte, primavera na Europa, de forma que as colheitas não fossem prejudicadas. Além do mais, esse tempo de espera proporcionou prazo maior para que os nobres angariassem os recursos necessários para custear seus respectivos séquitos. Tratava-se de uma jornada extremamente onerosa e não foi a Igreja que arcou com os custos; esta incumbência ficou a cargo dos nobres que atenderam ao chamado do Papa.

 

Pedro, o Eremita e a Cruzada Popular

Além dos discursos papais, pregadores populares se sobressaíam na função de engajar os indivíduos. Estes, por serem oriundos das camadas populares da sociedade, tinham maior identificação com os mais pobres [MAYER, 2001, p. 63]. Dentre estes pregadores estava um monge picardo chamado Pedro, o Eremita que, antes mesmo do Concílio de Clermont, já pregava a cruzada na França, onde percorria diversas regiões montado em um jumento. 

Segundo o cronista hierosomilitano Guilherme de Tiro [2015, p. 64], Pedro, o Eremita fez uma peregrinação a Jerusalém alguns anos antes do Concílio de Clermont e apenas conseguiu adentrar na cidade após pagar um tributo exigido pelos muçulmanos. Na Cidade Santa, ainda de acordo com Guilherme de Tiro [2015, p. 67], Pedro teria recebido a missão de entregar ao Papa Urbano II uma carta escrita pelo patriarca de Jerusalém, Simeão, na qual este clamava por socorro. Na época, difundiu-se a ideia de que o próprio Messias teria aparecido a Pedro, através de uma visão, para dar-lhe esse dever, “criando-se ao seu redor a lenda da intervenção mística de cristo” [FALBEL, 2001, p. 36].

A historiadora Ana Comneno [1989, p. 407], testemunha ocular de vários fatos ocorridos à época da Primeira Cruzada, também menciona a peregrinação de Pedro ao Oriente, contudo, em virtude de calamidades impostas por turcos e sarracenos, o Eremita sequer conheceu a Cidade Santa; ao regressar à Europa, discursou em várias localidades acerca da urgência de uma ação com a finalidade de resgatar Jerusalém. Desta forma, a filha do imperador Aleixo Comneno confere a Pedro, o Eremita o papel de artífice do movimento cruzadista do final do século XI. 

Uma expedição liderada por Pedro, o Eremita iniciou marcha no início de 1096, inverno na Europa, alguns meses antes do prazo definido por Urbano II em Clermont. Contava com milhares de pessoas que ansiavam partir imediatamente para o Oriente, pois consideraram o tempo estabelecido pelo Papa demasiadamente longo. Era composta por aproximadamente vinte mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Embora contasse com cavaleiros de menor destaque e nobres de baixa estirpe, como Gualtério Sem-Haveres, os contingentes de Pedro eram formados majoritariamente por camponeses, conforme observou Runciman [2003, p. 117]. Tratava-se, nas palavras de Ana Comneno [1989, p. 405], de uma multidão de gente desarmada. Esta campanha ficou conhecida na história como a Cruzada Popular ou, ainda, como a Cruzada dos Mendigos.

Em 12 de abril de 1096 a expedição de Pedro chegou a Colônia, na atual Alemanha, onde o Eremita permaneceu por alguns dias com intuito de pregar, atrair adeptos e arrecadar fundos para o custeio de milhares de miseráveis no trajeto até Jerusalém [TYERMAN, 2010, P. 121]. Da mencionada cidade germânica seguiram caminho para Constantinopla através de territórios húngaros e búlgaros. Durante este percurso, porém, grupos de desordeiros causaram toda sorte de tumultos em muitos vilarejos que passaram. Ocorreram, inclusive, diversos enfrentamentos armados entre contingentes que acompanhavam Pedro, o Eremita e Gualtério Sem-Haveres contra guarnições de defensores locais. Esses confrontos causaram milhares de baixas entre os cruzados.

 

A chegada em Constantinopla

No início de agosto de 1096 a Cruzada Popular chegou a Constantinopla, capital do Império Bizantino [TYERMAN, 2010, P. 126]. Pedro foi convocado para uma audiência com o imperador Aleixo Comneno, na qual expôs as razões que o levaram a realizar tão longa jornada; informou também que muitos importantes nobres e os mais notáveis guerreiros da Europa em breve fariam o mesmo itinerário. Hábil com as palavras, Pedro deixou todos no palácio imperial impressionados com sua prédica [GUILHERME DE TIRO, 2010, p. 90]. Terminada a conferência Pedro retornou para o acampamento com vários presentes recebidos.

O encontro entre Pedro e Aleixo também é mencionado por Ana Comneno [1989, p. 409]; segundo esta historiadora, Aleixo não desconfiava das boas intenções do Eremita, mas logo percebeu que o exército que o seguia desde o Ocidente tinha pouco preparo e escassas chances de derrotar os seljúcidas nos campos de batalha. O imperador, então, aconselhou o Eremita a esperar em Constantinopla pela chegada dos exércitos formados pelos barões para só depois seguirem. Contudo, de acordo com Riley-Smith [2019, p. 95], mais provável é que, a fim de evitar eventuais tumultos e saques que uma estadia prolongada pudesse causar, o imperador estivesse disposto a afastar de sua capital aquelas multidões.

 

Incursão à Ásia Menor

Por volta de 06 de agosto, os cruzados começaram a deixar Constantinopla [RILEY-SMITH, 2019, p. 95]. Em balsas providenciadas por Aleixo atravessaram o Estreito de Bósforo e seguiram para Nicomédia, na Ásia Menor, onde se estabeleceram em Civetot, um acampamento fortificado construído anos antes para abrigar mercenários ingleses a serviço do imperador [MAYER, 2001, p. 66]. Aleixo forneceu provisões e fez diversas recomendações aos ocidentais. Pediu para que permanecessem naquele local até a chegada dos exércitos europeus que estavam em marcha; orientou-os também para que evitassem investidas contra territórios inimigos ou qualquer outra provocação aos seljúcidas enquanto ali estivessem [ANA COMNENO, 1989, p. 409].

Segundo escreveu Guilherme de Tiro [2015, p. 90], nas primeiras semanas, completamente abastecidos de víveres, os cruzados não causaram nenhum tipo de contratempo, no entanto, à medida que o tempo passava, milhares de pessoas avessas a qualquer subordinação deixaram de lado os conselhos de Aleixo. No mês de setembro Pedro viajou a Constantinopla com o propósito de negociar o fornecimento de mais suprimentos. A presença do Eremita àquela altura não impunha muita disciplina naquela massa; sua ausência fez com que parte desta se tornasse quase ingovernável. Tornou-se difícil controlar o ímpeto de insolente e ignorante multidão.

Bandos eram formados para circular por territórios distantes dos alojamentos; por várias vezes voltavam com rebanhos de gado e ovelhas que rapinavam nas áreas controladas pelos seljúcidas. Um destacamento francês marchou na direção de Nicéia com o objetivo de conquistar butins em áreas próximas da cidade. Atacaram povoados da região e cessaram as pilhagens apenas quando foram confrontados por tropas turcas enviadas pelo sultão Kilij Arslan. Após algumas escaramuças voltaram para Civetot com os espólios obtidos nesta investida [ANA COMNENO, 1989, p. 410].

O êxito da incursão francesa despertou cobiça no acampamento. Uma expedição composta por cerca de três mil pessoas, cuja maioria era de origem germânica, partiu em busca de aventuras, espólios e fama. Invadiram um povoado localizado a sete quilômetros de Nicéia e executaram os habitantes locais; logo após, se apossaram de tudo que puderam transportar e ocuparam uma fortaleza abandonada na região. Este grupo pretendia fazer desta fortificação uma espécie de quartel general para lançar ataques a outros povoados próximos; provavelmente pretendiam permanecer neste local até a chegada dos príncipes cruzados [GUILHERME DE TIRO, 2015, p. 91].

O sultão Kilij Arslan ficou estarrecido com tamanha ousadia; recrutou mercenários para se juntarem às tropas que lhe serviam e formou um numeroso exército para repelir os invasores. Em 29 de setembro de 1096 os seljúcidas iniciaram um cerco à fortaleza e cortaram todo o abastecimento de água. Ao passar dos dias os sitiados, em meio ao desespero, extraiam e bebiam sangue dos cavalos na tentativa de saciar a sede. Depois de vários dias de agonia as portas do castelo se abriram e os cruzados foram atacados violentamente. Segundo Runciman [2003, p. 124], os turcos pouparam da morte apenas os cristãos que abdicaram de sua fé; estes foram capturados e escravizados. Vencidos os inimigos que audaciosamente invadiram seus domínios, o sultão voltou suas forças para aniquilar os europeus acampados em Civetot.

 

O fim da Cruzada Popular

Kilij Arslan já havia percebido que, até aquele momento, as ações dos expedicionários na Ásia Menor foram motivadas pela ganância. E soube se aproveitar desse fator. De acordo com o relato de Ana Comneno [1989, p. 409], o sultão selecionou integrantes de seu exército que entendiam algum dos idiomas falados pelos cruzados e os enviou a Civetot para espalhar a notícia de que seus correligionários cristãos haviam conquistado Nicéia e que estavam a fazer a divisão de todas as riquezas obtidas na próspera cidade. Assim que a notícia se difundiu no acampamento cruzado, vários tumultos irromperam e grande parte da gente que ali estava manifestou vontade de seguir imediatamente para Nicéia e chegar a tempo de participar das divisões dos supostos espólios.

Os mais experientes do exército, inclusive Gualtério Sem-Haveres, tentavam acalmar os ânimos do povo. Dizia-lhes que seria mais prudente esperar no acampamento pelos contingentes maiores para empreenderem ações conjuntas, conforme orientações de Aleixo. O discurso dos líderes surtia pouco efeito e não demorou muito para que a situação se tornasse insustentável. Instados por um indivíduo chamado Godofredo de Bures, uma multidão começou a insultar os que se opunham à investida; diziam que estes líderes estavam a agir daquela maneira não por prudência, mas sim por covardia [GUILHERME DE TIRO, 2015, p. 93]. Logo, prevaleceu a vontade da maioria e em 21 de outubro um exército formado por cerca de vinte e cinco mil pessoas, segundo Guilherme de Tiro [2015, p. 91], entre cavalaria e infantaria, saiu do acampamento de forma desorganizada e seguiu caminho por uma estrada que os levaria até Nicéia. Em Civetot ficou uma multidão de gente indefesa, que incluía idosos, mulheres, crianças, enfermos e clérigos.

Os cruzados se afastaram cerca de cinco quilômetros do acampamento e passavam por um estreito vale rodeado por bosques, nos quais os turcos os esperavam à espreita. A essa altura mais pareciam bandos do que um exército que, por estar em território inimigo, deveria manter rígida formação militar. Os sujeitos que se apresentavam como líderes eram incapazes de impor ordem e logo se tornaram presas fáceis. Quando estavam prestes a cruzar os bosques, arqueiros seljúcidas dispararam várias saraivadas de flechas que causaram centenas de baixas nas tropas cristãs e logo o caos foi instaurado. Cavalaria e infantaria eram empurrados uns contra os outros, com os turcos a desferir ataques mortais pelos flancos [GUILHERME DE TIRO, 2015, p. 94]. A milícia cristã era sistematicamente dizimada; na iminência da derrota resolveram bater em retirada e voltaram às pressas para o Civetot, com os seljúcidas no encalço.

De repente, o silêncio que imperava no acampamento deu lugar aos gritos de desespero dos fugitivos e o massacre iniciado a poucos quilômetros teve continuidade em Civetot. Os turcos matavam quem encontravam pela frente. Cavaleiros, infantaria, monges, idosos, mães com crianças de colo; todos eram executados sem distinção. Foram poupados da morte apenas os meninos e as meninas adolescentes, pois estes indivíduos poderiam render lucro nos mercados escravagistas [GUILHERME DE TIRO, 2015, p. 90].

Algumas centenas de peregrinos conseguiram fugir dos turcos e se dispersaram pela região; um grupo maior buscou abrigo em uma fortificação semidestruída à beira do Mar Negro. Na luta pela sobrevivência, os cristãos tentaram recompor as estruturas para que pudessem resistir às investidas pelo maior tempo possível; improvisaram escudos e colocaram grandes pedras que obstruíam a entrada; da maneira que podiam, repeliam os ataques dos seljúcidas e dessa forma muitos deles resistiram por vários dias, na esperança de que chegasse auxílio de Bizâncio.

Nesse ínterim, em Constantinopla, Pedro recebeu a notícia sobre a tragédia que se abatera sobre Civetot e logo acorreu ao imperador para que este enviasse tropas de auxílio. Aleixo sabia que não havia nada a ser feito; mesmo assim, enviou uma guarnição da Marinha Bizantina para resgatar os sobreviventes. Os turcos, ao tomarem conhecimento da iminente chegada dos bizantinos, resolveram abandonar o cerco e regressaram para Nicéia; antes, porém, recolheram tudo que lhes seria útil, como provisões, armas, tendas, mulas e cavalos. Os sobreviventes, de acordo com Ana Comneno [1989, p. 411] foram levados para Constantinopla. Desta forma, repleta de desastres, chegou ao fim a famigerada Cruzada Popular.

Meses depois, Pedro, o Eremita acompanhou a expedição dos Barões e fez diversas pregações para os exércitos cristãos durante o cerco de Jerusalém. Após a invasão da Cidade Santa, ocorrida em julho de 1099, Pedro esteve junto das tropas que venceram os egípcios em Ascalon, na última batalha da Primeira Cruzada. Consolidado o domínio cruzado sobre Jerusalém, Pedro regressou à Europa e fundou um mosteiro em Flandres, no qual foi prior até sua morte, em 1115 [KOSTICK, 2010, p. 185]. Em 1147, durante pregação para a Segunda Cruzada, Bernardo de Claraval passou perto do mencionado mosteiro e, conforme diz Tyerman [2010, p. 330], a expedição de Pedro, “extraordinária, mas desastrosa, ainda permanecia nítida na memória das pessoas”.

 

Considerações finais

A Cruzada Popular expôs que a simples obstinação seria inútil sem disciplina militar; também serviu de exemplo para os exércitos que chegaram ao Oriente alguns meses depois, pois explicitou tudo que deveria ser evitado pelos europeus. O tempo evidenciou que a fácil vitória obtida pelos turcos foi, de certa forma, prejudicial para Kilij Arslan. Ao saber que um novo exército ocidental estava a caminho da Ásia Menor, imaginou se tratar de novas tropas desqualificadas e deixou de tomar as precauções necessárias para defender sua cidade. Quando percebeu que a nova expedição, hoje denominada Cruzada dos Nobres, diferia totalmente das forças que derrotara com facilidade, era tarde demais; a capital do Sultanato de Rum estava sitiada. Em junho de 1097 Nicéia era capturada após uma ação conjunta entre cruzados e bizantinos. No mês seguinte, o sultão sofreu uma dura derrota para os invasores europeus em Doriléia, a primeira grande batalha das cruzadas.

 

Referências

Jeferson Dalfior Costalonga é graduado em História pela Faculdade Saberes (Vitória/ES) e graduando no Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é professor da Rede Pública de Ensino do Município de Serra/ES. Contato: j.costalonga@hotmail.com

COMNENO, Ana. La Alexiada. Traducción de Emilio Díaz Rolando. Sevilla: Editorial Universidad de Sevilla, 1989.

FALBEL, Nachman. Kidush Hashem: crônicas Hebraicas sobre as Cruzadas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.

GUILHERME DE TIRO. Historias de Ultramar: Antecedentes y proclamación de La Primera Cruzada. El camino y La conquista de Jerusalén. Traducción de Lorenzo Vicente Burgoa. Murcia: ADIH, 2015.

KOSTICK, Conor. A Primeira Cruzada e a dramática conquista de Jerusalém. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Rosari, 2010.

MAYER, Hans Eberhard. Historia de las cruzadas. Traducción de Jesús Espino Nuño. Madrid: Istmo, 2001.

RILEY-SMITH, Jonathan. As cruzadas: uma história. Tradução de Jonathas Castro. Campinas: Eclesiae, 2019.

RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas, Vol. I: a Primeira Cruzada e a fundação do Reino de Jerusalém. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

TYERMAN, Christopher. A guerra de Deus: uma nova história das cruzadas, Vol. 1 Tradução de Heloisa Gonçalves Barbosa. Rio de Janeiro: Imago, 2010.

18 comentários:

  1. Olá Jeferson!

    Guibert de Nogent, cronista da época, refere-se a Pedro, o Eremita, como sendo pequeno, magro, sempre descalço, usando um velho traje monástico, que comia apenas peixe e montava em um jumento, exercendo grande carisma sobre as pessoas mais simples, que consideravam até mesmo os pêlos de sua montaria como relíquias sagradas. Por sua vez, para Ana Comneno, Pedro não era um santo eremita, mas sim um mendigo maluco.

    Pois bem, de que modo esse fanatismo quase ingênuo acabou selando o destino deste primeiro movimento, turbinado pelo entusiasmo gerado a partir do discurso papal de Clermont?

    Grato pela atenção.

    Saudações!

    Willian Spengler

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    1. Olá, caro Willian Spengler. Obrigado pela leitura do texto, pelas observações e pela pergunta.

      Bem, muitos dos cronistas descrevem Pedro, o Eremita com essas características físicas mencionadas por você. Guilherme de Tiro e Albert de Aachen, por exemplo, acrescentam que Pedro era muito hábil com as palavras; há também citações que dizem que Pedro era possuidor de um discurso eloquente.

      Sobre Ana Comneno, tive uma percepção um pouco diferente da concepção dela acerca de Pedro. Há trechos, inclusive, em que a filha do imperador Aleixo diz que o Eremita “concebeu um astuto plano” para que essa peregrinação/expedição ocorresse. Ana ainda relatou que teve a impressão de que Pedro “tivesse gravado um oráculo divino no coração de todos os homens”.

      Geralmente, nas narrativas Pedro é apresentado como um sujeito um tanto quanto místico e demasiadamente simplório. A meu ver essa percepção não condiz muito com os fatos. Pedro mobilizou dezenas de milhares de pessoas em territórios franceses e germânicos; angariou muitos recursos para custear os miseráveis no trajeto para Jerusalém. Ademais, Pedro foi recebido no palácio imperial por Aleixo Comneno e recebeu diversos presentes deste imperador, que fora um dos homens mais poderosos de seu tempo.

      Acredito que, por ser proveniente das camadas mais populares, soube como ninguém se dirigir a estes grupos que pelo fanatismo e ingenuidade exacerbados desejavam partir imediatamente e deixaram de lado as recomendações de Urbano II, em Clermont. Os discursos de Pedro provavelmente iam ao encontro com os anseios de muitos grupos.


      Jeferson

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  2. Olá Jeferson Costalonga!Por qual motivo esta cruzada de Pedro. o eremita não teve apoio do Papa Urbano II e consequentemente não reconhecida?

    CLÉSIO FERNANDES DE MORAIS

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    1. Olá, Clésio. Obrigado pela leitura do texto e pela pergunta.

      Não é que não teve apoio de Urbano II; a Cruzada Popular, a meu ver, fugiu um pouco do controle da Igreja e do Papa. Cabe ressaltar que muitos padres, sacerdotes e talvez até bispos seguiram com Pedro, o Eremita.

      Em novembro de 1095, durante o Concílio de Clermont Urbano II determinou que a cruzada partiria em agosto do ano seguinte, primavera na Europa, de forma que as colheitas não fossem prejudicadas. Estabeleceu que os indivíduos teriam que pedir permissão para os sacerdotes locais antes de partir para Jerusalém; os homens casados, inclusive, só podiam partir com o consentimento das respectivas esposas. Eram formas utilizadas pela Igreja para demonstrar que tinha o controle sobre a expedição. Os grupos que formaram a Cruzada Popular, por sua vez, iniciaram a marcha alguns meses antes do prazo recomendado por UrbanoII. Provavelmente um número considerável de adeptos tampouco seguiram as determinações papais antes de partirem.


      Jeferson

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  3. Olá, Jeferson. Muito bacana o seu trabalho.
    Tenho duas sugestões que de repente podem contribuir em algo.
    A primeira é que há diversas passagens, imagino que de Guilherme de Tiro, em que você não coloca aspas - como, por exemplo, "os turcos matavam quem encontravam pela frente". Ocorre que na narrativa de seu texto acabam parecendo que são "verdades" ou que de fato ocorreram, quando há todo um conjunto de outras posições não evidenciadas, dentre as quais a dos próprios muçulmanos.
    Por sua vez, a parte intitulada "O fim da Cruzada Popular" é pautada por uma descrição factual. Seria interessante que ali aparecesse mais aspectos de sua interpretação.
    No intuito de poder colaborar.
    Abraços,
    Vanessa dos Santos Bodstein Bivar

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    1. Olá, Vanessa dos Santos Bodstein Bivar. Obrigado por dedicar um pouco de seu tempo na leitura deste humilde texto. Grato também pelas observações e sugestões. É exatamente isso que eu precisava ler.

      Nas próximas vezes vou me atentar mais em relação ao uso das aspas. Sim, Guilherme de Tiro foi a única fonte utilizada nesse trecho do texto. Busquei outras referências que contrapunham o Arcebispo de Tiro em relação a essa ação de Kilij Arslan, mas ainda não encontrei.


      Correto. Em próximas oportunidades tentarei transformar esta parte em um capítulo mais interpretativo do que factual.


      Extremamente agradecido,

      Jeferson

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    2. Imagine. Trocar ideias é sempre bom.
      Abraços.

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  4. Uma questão para podermos pensar juntos: será que podemos chamar Ana Comneno de historiadora ao relatar os feitos de seu pai e os contextos ao seu redor?
    Qual a sua opinião?
    Abraços,
    Vanessa dos Santos Bodstein Bivar

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  5. Olá, Vanessa dos Santos Bodstein Bivar. Novamente agradecido pela questão levantada.

    Embora, como você mesmo mencionou, a obra tenha sido elaborada com o intuito de enaltecer o governo do pai (ás vezes parece um épico, inclusive) e os contextos ao redor, acredito, sim, que podemos chamar Ana Comneno de historiadora. Desta forma, aliás, ela é tratada diversas vezes quando citada em trabalhos. Ana tem até os vícios típicos nos historiadores cruzados da época, pois é possível observar explanações um pouco tendenciosas, sobretudo quando são mencionados os adversários do Imperador Aleixo.

    Além de descrever aspectos históricos, políticos e até geográficos de determinado espaço e tempo, Ana Comneno registrou eventos históricos que aparecem com certa frequência em crônica de historiadores cruzados, como a própria cruzada Popular, o cerco de Nicéia, a Batalha de Doriléia, o Cerco de Antioquia. Por vezes sua interpretação de um fato difere da compreensão que historiadores latinos têm do mesmo fato, o que é compreensível por causa do acesso a distintas fontes escritas e testemunhais que obtiveram.

    Ainda me vem à cabeça uma descrição de Ana Comneno feita por Régine Pernoud. Esta historiadora francesa, além de definir Ana como a primeira historiadora, diz que foi uma mulher, a própria Ana, quem primeiro narrou aqueles eventos do final do século XI.


    Jeferson

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  6. Olá Jéssica, parabéns pelo texto. Você faz um retrospecto da atuação política dos ptolomeus e suas relações com outras organizações políticas helênicas do período. Se você puder, gostaria de saber um pouco mais em relação à política deles na região do Mar Vermelho, com os bedjas, árabes e os reinos de Kush e Axum. Os gregos eram também interessados nas riquezas do Mar da Eritréia. Carlos Eduardo Martins Torcato

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    1. Boa noite, Carlos Eduardo.

      Acredito que você tenha errado o texto para o qual pretendia enviar a pergunta.

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  7. Boa noite, Jeferson. Parabéns pelo seu trabalho!! Está muito bem escrito. Minha pergunta é: Seria o fanatismo religioso o principal fator de adesão da população a esta cruzada?
    ***
    Greyce O. da Cunha

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    1. Boa noite, Greyce. Muito obrigado!

      Embora diversos fatores tenham contribuído para adesão, acredito que a religiosidade do indivíduo medieval tenha sido o principal fator. Religiosidade essa, no entanto, que muitas vezes descambava para o fanatismo religioso, como você observou. Norbert Elias, em ‘O processo civilizador II’, menciona que, dentre outros fatores, a cruzada ocorreu também por causa os laços religiosos da cristandade com a Terra Santa.

      Jeferson

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  8. Olá Jeferson! Parabéns pelo ótimo texto!
    Alguns historiadores citam que as Cruzadas, de um modo geral, e principalmente esta Cruzada Popular, foram uma forma que a Igreja e a Nobreza arrumaram para "desafogar" os feudos e cidades medievais após o crescimento populacional ocorrido no século XI, visto que essas não tinham estrutura para suportar tal crescimento vertiginoso que ocorreu no século em questão. Você concorda com esse ponto de vista? Já viu essa justificativa na bibliografia sobre Cruzadas que você já leu? Desde já agradeço.

    Oscar Martins Ribeiro dos Santos

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    1. Olá, Oscar. Muito obrigado!

      Sim, essa justificativa é bem recorrente na bibliografia das cruzadas. É defendida por Steven Runciman e vários outros historiadores, contudo, há controvérsias. Pesquisas mais recentes indicam que a necessidade de terras eram problemas locais e, portanto, não poderiam ser aplicados a esse movimento cruzadista de uma forma geral. Christopher Tyerman diz que a própria colonização interna expandiu as áreas de cultivo dentro da Europa, de forma que atendia ao crescimento populacional da época.


      Jeferson.

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